As recentes mudanças no calendário de vacinação infantil dos EUA, juntamente com uma mudança na liderança federal, estão a levantar sérias preocupações sobre o futuro da saúde pública. Embora os ajustamentos aos protocolos de imunização não sejam incomuns, as decisões mais recentes assinalam um afastamento da elaboração de políticas baseadas em evidências, minando potencialmente décadas de progresso na prevenção de doenças.
A nova abordagem: separando vacinas, levantando questões
Em setembro, o comitê consultivo federal responsável pelas recomendações de vacinas votou pela remoção da opção de uma vacina combinada contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela (MMRV) como primeira dose para crianças de 12 a 15 meses. Em vez disso, a vacina contra a varicela será administrada separadamente. A justificativa citada foi um risco raro de convulsões febris – um efeito colateral geralmente inofensivo e já conhecido.
Esta mudança, embora aparentemente pequena, dado que muitos pais já optam por injeções separadas, ocorre num contexto mais amplo: declarações públicas do antigo Presidente Trump e da sua administração questionando a segurança das vacinas. Este padrão sugere mudanças ideológicas mais amplas em jogo, ameaçando a estabilidade do calendário nacional de vacinação.
Um sistema comprovado sob ameaça
O calendário de vacinação infantil dos EUA, desenvolvido em meados da década de 1960, tem sido um marco histórico na saúde pública. Atualmente protege contra quase 20 doenças, incluindo poliomielite, tétano, hepatite B e sarampo. Além de prevenir doenças, também reduz as taxas de certos tipos de câncer, como o cervical e o de fígado.
No entanto, a nomeação do defensor antivacina Robert F. Kennedy Jr. para liderar partes do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos EUA e a subsequente substituição de membros especialistas do Comité Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP) por indivíduos sem experiência em vacinas alteraram a direcção do comité. A reunião de Setembro sublinhou este afastamento do rigor científico, com as discussões a estenderem-se mesmo ao adiamento da dose à nascença contra a hepatite B sem provas de apoio.
Os riscos reais da fragmentação
As vacinas combinadas são concebidas para agilizar a imunização, aumentando a probabilidade de proteção completa e oportuna. Separar as vacinas significa mais injeções, mais consultas médicas e potencialmente menor adesão. A alegação de que a combinação de vacinas enfraquece o sistema imunitário tem sido repetidamente desmentida pela investigação. O sistema imunitário é mais do que capaz de lidar com múltiplas vacinas simultaneamente, como evidenciado por décadas de programas de imunização seguros e eficazes.
O verdadeiro perigo reside na erosão da confiança pública e na criação de oportunidades para surtos. O sarampo, uma doença altamente contagiosa, ressurgiu no Texas em 2025 devido às baixas taxas de vacinação (82% entre os alunos do jardim de infância), muito abaixo do limite de 95% necessário para a imunidade coletiva. Quedas semelhantes na cobertura de outras doenças poderiam levar a epidemias evitáveis.
O dilema da hepatite B
A discussão em torno do adiamento da dose à nascença para a hepatite B é particularmente alarmante. A infecção infantil pela hepatite B acarreta um risco de 90% de doença crónica, levando a danos no fígado e aumento do risco de cancro. Desde que o programa universal de vacinação infantil começou em 1991, os casos caíram de 18.000 anualmente para cerca de 2.200 em 2023. A inversão desta política levaria inevitavelmente a que mais crianças contraíssem e sofressem de uma doença evitável e potencialmente fatal.
Uma resposta de retalhos
A comunidade médica – incluindo a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas – está trabalhando ativamente para combater a desinformação e fornecer informações precisas sobre vacinas. Alguns estados estão a formar coligações para reforçar as recomendações de saúde pública. Contudo, uma abordagem fragmentada não pode substituir um calendário nacional unificado. As doenças não respeitam as fronteiras estatais e as políticas inconsistentes enfraquecem a protecção geral.
Apesar da crescente influência da retórica antivacina, as pesquisas mostram que cerca de 9 em cada 10 pais ainda acreditam na importância da imunização infantil. Resta saber se esta confiança pode resistir aos ataques contínuos à segurança das vacinas.
A erosão da política de vacinas baseada em evidências não é apenas uma questão de saúde pública; é um risco sistêmico. Ao dar prioridade à ideologia em detrimento da ciência, a trajetória atual ameaça décadas de progresso, podendo levar a surtos, doenças crónicas e aumento da mortalidade infantil.





































